A QUE SABE LISBOA?
Todas as ruas de Lisboa – todas! – cheiram a comida. Há uma liturgia que paira, como nuvens, tornando a cozinha um lugar sagrado, mesmo quando parece desleixada vista das janelas entreabertas. Aqui, os milagres acontecem, vi com os meus próprios olhos, como com pão, azeite e alho os portugueses fazem pratos que desafiam o pecado da gula. O sino a tocar, entre as sete colinas, parece avisar que é hora da refeição.
Um homem na esquina apregoava um almanaque, o Borda d’Água. Comprei por graça, depois de me explicar que é publicado desde 1929, sempre igual, a preto e branco, com uma lista de utilidades, entre as quais quando semear e colher os produtos agrícolas. Sentei-me a beber uma bica, na esplanada da esquina, a folheá-lo e dei por mim a pensar que o almanaque bem podia incluir os cheiros sazonais de Lisboa: a sardinhas assadas, por altura dos Santos Populares (Junho e Julho); o cozido à portuguesa, nos dias frios; o bacalhau, todo o ano; os refugados, que estão na base dos arrozes, de marisco à cabidela, nos dias úteis; o cabrito e o polvo, mais demorados no forno, aos fins-de-semana e dias festivos. Tenho fome, de repente.
Cheira a alecrim, a coentros, a louro, a orégão e a salicórnia. Cheira a canela, a açafrão, a hortelã, a noz moscada e a pimenta. Todos os dias um cheiro novo, em cada rua, a qualquer hora. Esta brisa suave que sopra do Tejo empurra o cheiro, como se vagueasse em busca de clientes, e dá vontade de provar tudo para saber a que sabe. À cozinha das mães, às memórias de infância, à faina em mar alto, à caça pela sobrevivência, às frutas e legumes apanhados no próprio dia. Nunca passei tanto tempo em restaurantes, devoro ementas como se fossem literatura e delicio-me com os nomes: peixinhos da horta, iscas com elas, bacalhau com todos, dobrada, pica-pau, prego, bitoque, tripas, caldeirada, sarrabulho, jaquinzinhos… E ainda há os que respondem pelo nome: à Bulhão Pato, à Gomes de Sá, à Zé do Pipo, Abade de Priscos.
Diz-se que se conquista um homem pelo estômago, mas os portugueses conquistam o mundo inteiro com a sua comida, vejo o enamoramento. Aliás, como fizeram ao longo da história: a tempura e o pão de ló chegaram ao Japão através dos navegadores portugueses, a marinada em vinha d’alhos passou a ser uma instituição na região de Goa, na Índia, o Brasil rendeu-se à feijoada e Catarina de Bragança foi a responsável pelo ritual do chá na corte britânica. Lembro-me de uma reportagem da BBC, enquanto eu devorava um cozido à portuguesa, que admitia que “a cozinha portuguesa pode ser a mais influente do Planeta”. Exageros à parte, agora que os holofotes turísticos apontam para Portugal, é cada vez mais difícil conseguir mesa nos lugares do costume, mas vale a pena a espera. Vale a pena cada garfada e cada quilo que ganho. Haja saúde!
ALGUMAS MESAS DE BEM COMER
PEIXE E MARISCO.
– Sea Me (Chiado)
– Cervejaria Ramiro (Avenida Almirante Reis)
– Kanazawa (Belém)
– Furnas do Guincho (Cascais)
– Restaurante da Adraga
– O Relento (Algés)
TRADICIONAL.
– Taberna Sal Grosso (Santa Apolónia)
– Taberna da Rua das Flores (Chiado)
– Solar dos Presuntos (Restauradores)
– Zé Varunca (Oeiras)
– Adega Saraiva (Sintra)
– Casa da Dízima (Paço d’Arcos)
– Casa Galega (Paço d’Arcos)
GOURMET.
– Time Out Market (Mercado da Ribeira)
– JNcQuoi (Avenida da Liberdade)
– Gourmet Experience El Corte Inglés (São Sebastião)
COMIDAS DO MUNDO.
– La Siesta (Algés)
VEGETARIANO/VEGAN.
– Arkhe (Santos)
– My Mother’s Daughters (São Sebastião)
– House of Wonders (Cascais)
DOCE FINAL.
– Pastel de nata, da Manteigaria (Chiado e Mercado da Ribeira)
– Os autênticos Pastéis de Belém (Belém)
– Gelados da Santini (Chiado e Cascais)
– Travesseiros da Casa Piriquita (Sintra)
– Queijadas da Sapa (Sintra)