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TENTAR A SORTE

TENTAR A SORTE

ROTEIRO: VIDA NOCTURNA  |  SANDRA NOBRE STORYTELLER  |  JOANA RAY ILUSTRADORA

Um viajante com uma guitarra está sempre acompanhado, talvez por isso seguimos sempre os dois para onde quer que vá. Toco nos quartos onde me instalo, no sofá de casa dos amigos que vou conhecendo e me convidam para uma refeição, num qualquer jardim sentado na relva, de vez em quando em bares em que me atrevo a entrar numa jam session. Há noites que deixo a guitarra a um canto e tento diversificar o repertório, foi assim que dei com o Snooker Club Lisboa, com mesas de bilhar ao jeito dos clássicos do cinema, entre nuvens de fumo de cigarros verdadeiros – outro clássico quase em extinção –, que encobre a falta de jeito de alguns. Outro dos meus locais preferidos é inspirado num western de Clint Eastwood, O Bom O Mau e o Vilão, que dedica muito da sua programação à apresentação de curtas-metragens. O espaço é multifacetado e foge ao clichê do cinema com pipocas, que intercala com música, e o bar é ponto de paragem obrigatório.

Um destes dias, dei-me conta que estava metido numa comédia romântica e eu não era o protagonista. Foi assim: cruzei-me com Pablo, um espanhol de Sevilha, que se perdeu de amores por uma portuguesa, mas que se esqueceu de lhe perguntar o nome na noite em que se conheceram. Há três meses que volta à Pensão Amor, na tentativa de a ver e nem sombra dela, esfumou-se tal qual D. Sebastião, o 16º rei de Portugal que desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, no norte de África e que reza a lenda voltará num dia de nevoeiro. Numa destas quintas-feiras, fomos petiscar e beber uns copos e dei por mim a gritar “olé” numa corrida de touros, na mítica sala da tauromaquia nacional, que data de 1892, o Campo Pequeno. Pablo é uma figura de cartaz digno de sair em ombros da praça como o melhor dos toureiros, só tem azar no amor, o que se diz que é proporcional à sorte no jogo e fomos confirmar o ditado.

No Casino de Lisboa, entre as 1100 slot machines e as mesas de Black Jack, o espanhol decidiu-se pela roleta. Perdeu a cabeça: apostou 20 euros, no número 25, o mesmo dia em que conheceu a miúda, vermelho, a cor da paixão, argumentou. Fez o pleno que lhe rendeu 700€. Por essa altura já éramos os melhores amigos e foi comigo que quis comemorar – e afogar as mágoas – em cocktails. Ainda tentámos o JNcQUOI, mas assim que vimos a pinta de um grupo que estava a chegar nos seus carros topo de gama acompanhados de babes a pingar lantejoulas, achámos melhor cruzar a Avenida da Liberdade e saciar a sede no Red Frog, um speakeasy à antiga [que em 2017 foi considerado o 92º melhor bar do mundo na lista dos The World’s 50 Best Bars, que afinal são 100], que recria o ambiente da década de 20 e 30, dos tempos da Lei Seca, onde os nossos jeans coçados se enquadravam melhor. Bebemos como se tivesse acabado a Proibição, que no caso do Pablo era mais dar de beber à dor e já estava quase capaz de compor um fado.

Há uns tempos que não lhe ponho a vista em cima para saber o desfecho da sua história, ultimamente, não voltei à pensão, ando a fazer um circuito de esplanadas e rooftops a aproveitar o bom tempo. Ora páro no Quiosque do Cais, do Mercado da Ribeira, para uma cerveja, ora me armo em fino e bebo uma flute no Sky Bar Lisboa, do hotel Tivoli Liberdade, um cocktail no Zazah Good View, no último piso do edifício do LACS – Lisbon Arte Center & Studio, debruçado sobre o Porto de Lisboa e a Ponte 25 de Abril ou acrescento uns botânicos a um gin, no Gin Lovers do Príncipe Real. A guitarra tem ficado em casa, ando a dar outra música às miúdas que vou conhecendo. E quando a noite não corre de feição e quero animar-me um bocadinho, vou ver o show de strip da Mónica, no Viking, outros dos ex-líbris da cidade, e enrolo os pensamentos às pernas dela penduradas no varão. Eu, que não tenho sorte no jogo, amanhã volto ao Tinder, pode ser que o amor espreite ao virar da esquina.